sábado, outubro 31, 2009

Figurinha recortada

Quando eu já achava que você era uma página virada
Dobrei a esquina e algo doeu aqui dentro
Não era você (parece que você mudou de mundo)
Era o seu cenário sem você
Figurinha recortada do meu álbum.
Exatamente ali, naquela esquina,
Tinha um buraco bem feitinho
Com forma de você.
Quando volto pra casa com minhas sacolas de supermercado
Fico imaginando se você está por aí se escondendo atrás de arbustos
Atrás de postes
Se fingindo de pintura nas paredes
Aí eu tento afastar meus pensamentos como a um mosquito chato
Do mesmo jeito que você fez com a gente
Dói um pouco mais pensar assim
Mas depois eu guardo as minhas compras e esqueço de você

quarta-feira, outubro 28, 2009

terça-feira, outubro 27, 2009

Pensei em uma coisa sobre a qual jurei nunca mais escrever nenhuma palavra.
Desculpa, baby. Vai ficar pra outra vida.

Flores de plástico não morrem

Era meio dia e eu comia lasanha de microondas, de pijama em frente à televisão. Ela chegou toda animada. Começou a fazer um arranjo de flores de plástico vermelhas do 1,99 num vaso retangular.

- Flores de plástico não morrem, eu disse.

Ela me perguntou se estava bonito. Eu disse que o arranjo estava bom, mas que eu não gostava de flores de plástico. Minutos depois nós duas estávamos paradas na escada, de frente para o vaso, observando calmamente se ali era um bom lugar para deixá-lo. Parecia flor de cemitério, concluímos.

Ela decidiu tocar a campanhinha em frente e perguntar a opinião da vizinha, afinal também ficaria em frente à porta dela. A senhora que atendeu olhou uma vez, duas vezes e disse:

- Que coincidência você bater aqui e me perguntar isso, estava conversando com a minha irmã sobre quais flores dar pra minha mãe.
- Verdade? Onde ela mora?
- No cemitério. Ela morreu. Quer vender?
- Cinqüenta reais.
- Ok.

É... flores de plástico não morrem.

domingo, outubro 25, 2009

O sonho

Chamaram-na de ingênua mais de uma vez naqueles dias
Tentou se sentir ofendida, mas não conseguiu
Sabia que estavam certos
Achava que era assim por opção
Às vezes é mais fácil não ver
E às vezes é mais fácil tudo ver, a ponto de cegar
Disseram-lhe: “Você ainda vai se surpreender muito com as pessoas”
E disseram que ainda ia se surpreender muito com ela mesma
Então sonhou que sussurrava: “Não, não me acordem do meu sonho!”

sábado, outubro 24, 2009

devagar e sempre

Voltava pra casa, em meio às já tão conhecidas luzes alaranjadas do centro da cidade, cabeça baixa olhando sem ver as falhas decoradas das calçadas. Sentia-se uma garotinha. Sapatilha baixa, mochila nas costas, fones de ouvido e a velha sensação de disciplina que a levava cedo pra casa em dias de quietude. Pensava pela trecentésima vez naquele amor devagar e sempre que vivia há anos. Há muito tempo não sofria mais por ele. Era um sentimento divertido e prazeroso, matreiro e inocente. Preferia assim, gostava de deixar as coisas podres para outros casos. Aquele não, aquele era imaculado. Tinha um altar especial em seu coração. E se isso não servisse de nada, ao menos inspiraria poesias.

sexta-feira, outubro 23, 2009

domingo de sol

Encontraram-lhe num domingo desses, num desses que faz sol
Ele devia estar sorrindo, animado como costumava ser
Perguntaram-lhe dela e ele fez aquela cara de constrangimento
Não devia haver muito que se falar, afinal não havia nada pra ser falado
Será que ele também pensa no quão estranho é não se verem mais?
Nessas situações o mundo se torna sempre muito pequeno
O melhor mesmo seria mudar de mundo
Ou mudar o mundo

Bossa

"Atenção
As pessoas não precisam
Ser iguais às outras
Aceite ou não
Mas você é única

No mundo assim
Uns são mais
Coordenados, determinados
Obcecados
E outros atrás
Vão levando a vida
E quem ousa dizer
Que é pior?
Há quem construa aviões
Escreva as revistas
E outros dedilham violões

Eu digo
Hei!
Você que sabe tudo
Me diga como perguntar
Se eu não sei
Você que pensa em tudo
Me mostre o quanto pode amar"

(Bossa - Duca Leindecker)

segunda-feira, outubro 19, 2009

Derrubou-me de um barranco
Outra vez
Tomou conta do meu corpo uma tremedeira involuntária
Soluços engarrafaram-se na garganta
Frio
Vou chorar hoje
E, depois, nunca mais
Ponto final
Parágrafo
E uma frase mais animada.

domingo, outubro 18, 2009

Debaixo D'agua

Debaixo d'água tudo era mais bonito
Mais azul, mais colorido
Só faltava respirar
Mas tinha que respirar

Debaixo d'água se formando como um feto
Sereno, confortável, amado, completo
Sem chão, sem teto, sem contato com o ar
Mas tinha que respirar
Todo dia (...)

Debaixo d'água por encanto sem sorriso e sem pranto
Sem lamento e sem saber o quanto
Esse momento poderia durar
Mas tinha que respirar

Debaixo d'água ficaria para sempre, ficaria contente
Longe de toda gente, para sempre no fundo do mar
Mas tinha que respirar
Todo dia (...)

Debaixo d'água, protegido, salvo, fora de perigo
Aliviado, sem perdão e sem pecado
Sem fome, sem frio, sem medo, sem vontade de voltar
Mas tinha que respirar

Debaixo d'água tudo era mais bonito
Mais azul, mais colorido
Só faltava respirar
Mas tinha que respirar
Todo dia

Agora que agora é nunca
Agora posso recuar
Agora sinto minha tumba
Agora o peito a retumbar
Agora a última resposta
Agora quartos de hospitais
Agora abrem uma porta
Agora não se chora mais
Agora a chuva evapora
Agora ainda não choveu
Agora tenho mais memória
Agora tenho o que foi meu
Agora passa a paisagem
Agora não me despedi
Agora compro uma passagem
Agora ainda estou aqui
Agora sinto muita sede
Agora já é madrugada
Agora diante da parede
Agora falta uma palavra
Agora o vento no cabelo
Agora toda minha roupa
Agora volta pro novelo
Agora a língua em minha boca
Agora meu avô já vive
Agora meu filho nasceu
Agora o filho que não tive
Agora a criança sou eu
Agora sinto um gosto doce
Agora vejo a cor azul
Agora a mão de quem me trouxe
Agora é só meu corpo nu
Agora eu nasco lá de fora
Agora minha mãe é o ar
Agora eu vivo na barriga
Agora eu brigo pra voltar
Agora
Agora
Agora

Arnaldo Antunes

sexta-feira, outubro 16, 2009

A noite

Música. Sorrisos. Frases no ouvido. Ensaios. Sussurros. Arrepios. Toques de mãos. Beijos. Taxi. Elevador. Mãos. Peles. Cheiros. Roupas. Beijos. Línguas. Força. Pelos. Suor. Cabelos. Sexo. Madrugada. Sono. Abraços. Peles. Insônia. Cobertores. Respiração. Luz. Palavras. Roupas. Elevador.

quarta-feira, outubro 14, 2009

Infinita Highway

" ...Eu vejo um horizonte trêmulo
Eu tenho os olhos úmidos
Eu posso estar completamente enganado
Eu posso estar correndo pro lado errado
Mas "a dúvida é o preço da pureza"
É inútil ter certeza
Eu vejo as placas dizendo
"não corra, não morra, não fume"
Eu vejo as placas cortando o horizonte
Elas parecem facas de dois gumes

Minha vida é tão confusa quanto a América Central
Por isso não me acuse de ser irracional
Escute, garota, façamos um trato:
Você desliga o telefone se eu ficar muito abstrato
Eu posso ser um Beatle, um beatnik
Ou um bitolado
Mas eu não sou ator
Eu não tô à toa do teu lado
Por isso, garota, façamos um pacto
De não usar a highway pra causar impacto

Cento e dez, cento e vinte
Cento e sessenta
Só prá ver até quando o motor agüenta
Na boca, em vez de um beijo,
Um chiclet de menta
E a sombra do sorriso que eu deixei
Numa das curvas da highway"
Naquela noite o silêncio gritava tão alto que eu não pude dormir. Minhas lágrimas secas ficavam presas na testa e isso fazia minha cabeça doer. Nossos sentimentos escapavam voando pelo buraquinho do vidro quebrado na janela e nem um de nós esboçava movimentos para impedi-los. Eu tentei acho, mas você dormia. Talvez você tenha tentado em algum dos momentos em que eu adormeci – ou não. Depois, à luz do dia, nós dois parecíamos seguros naquele silêncio todo. Não sei os seus, mas meus pensamentos eram histéricos. Então você se foi. Com uma raiva de mim que, na verdade, era raiva de você mesmo. E enquanto nosso amor fugia, eu pensava em uma poesia. Um poema que te dissesse que eu gostava realmente de você.
Morreu. De uma forma ridícula. Sem honras, sem glória. Morreu como morre um cão magro. Esmagado no meio da rua. Morreu.

segunda-feira, outubro 12, 2009

E o que é que eu faço com essa saudade safra de 1976?

Rivers of Babylon

Naquela noite estávamos lá mais por conveniência do que por vontade própria. Eu mesma só fui para acompanhar uma amiga. Comemos uma coisa estranha e pesada e já estávamos indo embora quando entramos em um cenário inusitado. Era um lugar muito simples, espaço da comunidade do bairro. Quase todas as pessoas presentes eram de meia idade ou mais. Elas estavam sentadas em bancos compridos de madeira ou em pé conversando. Dois casais dançavam uma música romântica e alguns cuidavam do bar. Então, de repente, começou a tocar Rivers of Babylon e, como se ensaiado, todos se levantaram e começaram a dançar freneticamente. Levantavam os braços apenas até a altura dos ombros e chacoalhavam as mãos, indo para frente e para trás. Fiquei estática. Era a única que não começara a dançar imediatamente. Muitos me convidaram, teria sido divertido, mas não havia como eu simplesmente começar a dançar. Não seria espontânea como eles. Fiquei ali parada observando por duas músicas. Que surpresa tive com aquelas pessoas. Elas estavam felizes, a maneira delas.

sexta-feira, outubro 02, 2009

Narciso

Já passa da meia noite e eu jurei que hoje ia dormir cedo. Em minhas intenções eu teria uma noite produtiva, mas não deu. Outra vez, num daqueles ímpetos narcisistas, fiquei relendo meu blog, retroalimentando minha mente de idéias para escrever sobre mim. Quando decido ter uma noite proveitosa normalmente o dia não foi tão cansativo e eu chego ao meu quarto no início da noite (nunca tão início) com considerável disposição. Aí reside o grande problema: minha energia se reverte em muita vontade de fazer coisas inúteis, como, por exemplo, assistir a novela do Manuel Carlos em stand by (palavras de um amigo), costurar um botão há tempos separado de seu casaco (que não tinha a mínima necessidade de ser consertado logo nessa noite), fazer uma lista dos livros que mais gosto (e esquecer a metade) ou escrever mais um texto inútil para um blog sem muita utilidade (esse).

Desliguei a televisão. A voz do apresentador já me dava dor de cabeça. Assisti o primeiro capítulo da nova minissérie. Achei uma merda, mas gostei. Eu também não vejo problema algum em ter dois namorados e não me importo que meus namorados tenham outras namoradas. Acho que todo mundo deveria namorar quem quisesse. Minha filosofia é que amor a gente só multiplica, nunca divide. Isso não significa que eu seja adepta da putaria, mas é bem difícil de fazer as pessoas entenderem. Talvez a Globo me ajude, espero que ela não estrague tudo outra vez.

A casa está estranhamente silenciosa. Acho que estou aqui há muito tempo e todos já foram dormir. Estou com vontade de tomar um banho, talvez eu durma melhor, mas eu não devo fazer isso. Quem convive comigo sabe que eu tenho certo TOC com banhos. Isso não faz de mim uma pessoa que precisa de tratamento, mas me causa um pouco de irritações na pele.

Alguém chegou ou saiu agora do prédio onde moro. Ouvi o portão bater e isso foi realmente impressionante, pois ele fica bem longe daqui. Pode ter sido um ladrão, uma amante, um estudante dedicado, um doente, um trabalhador, não sei, não conheço meus vizinhos.

Ontem, no caminho de volta para casa, apertei os passos para chegar mais rápido. Caía uma chuva muito gelada que dava um sentimento de angústia. Lembrei de uma das sensações mais marcantes que vivi. Hoje de manhã, fazendo compras, lembrei de outra experiência que ficou gravada e que, coincidentemente, aconteceu na mesma semana. Na época registrei essas vivências e agora, ao invés de escrever novamente, apenas as reapresento aqui.

Quinta-feira, Janeiro 17, 2008

Peripécias da Solidão II

Siga em frente, agarre uma cestinha e vire à esquerda. Vamos! Você pode fazer isso! Afinal já fez muitas vezes. Mas agora é diferente, é a primeira de muitas outras vezes. E as pessoas em volta não podem imaginar o quão idiotas são os seus pensamentos. Vire à direita agora. Agarre-se na cestinha para não cair. Você precisa de macarrão instantâneo e mais algumas coisas que venham com a quantidade de uma só porção e possam ser preparadas no microondas. Quem sabe umas verdurinhas? Sim, elas estão logo à esquerda e não vão permitir que você fique desnutrida. Uma cenoura, um pimentão. Parece exagero um pimentão inteiro só para você, mas o homem que pesava os vegetais demonstrou curiosidade nas quantidades empacotadas. Agora ao macarrão instantâneo! E no caminho você lembrou que um pouco de café solúvel e leite seriam úteis. Mas a caixa de leite e o pacote de açúcar parecem enormes. Como nunca percebeu? O leite não tem jeito, não vendem em quantidades menores. Acabou optando por um frasquinho de adoçante dietético. “Vai acabar emagrecendo”, pensava quando passou pelos minipãezinhos. Ó, quase se esquecera deles! Meia volta: ainda bem que inventaram a margarina em embalagens pequenas. Agora ao macarrão! No caminho uma promoção de ovos com caixinhas de meia dúzia (Mas que abençoada idéia!). Finalmente o macarrão instantâneo. Cinco pacotes: um para cada dia da semana. “Vai acabar enjoando”, pensava quando surpreendeu o olhar curioso do pai de família, que empurrava um carrinho cheio, sobre a sopa individual express que você descobriu.

Quarta-feira, Janeiro 16, 2008

Peripécias da Solidão I

Final de tarde. Naquele dia incrivelmente sobrara tempo. Não que não houvesse o que fazer, havia uma vida inteira pra reconstruir... Sobrara tempo porque jogara tudo para o alto. Dane-se! Simplesmente percebera que muitas das coisas com as quais costumava se preocupar não faziam sentido algum.
Naquele final de tarde o sol parecia gritar: “Estou fazendo um final de tarde!” A Luz que entrava pela sacada do estranho apartamento aprofundava ainda mais o silêncio. Ligar a televisão ou o rádio - uma tentação pecaminosa. Aquele era o próprio santuário da solidão.
Que estranho vazio. Que estranha inércia a impedia de acabar com ele. E o celular ali, resplandecendo a ameaça de tocar.

Terça-feira, Janeiro 15, 2008

O maior vazio que se pode sentir é a falta de um lugar para voltar. Pode parecer divertido no primeiro dia e ainda é divertido no segundo. Mas no terceiro, após um dia cansativo de trabalho, após enfrentar uma chuva gelada na volta para casa (casa...?), vem o vazio.De repente você se dá conta de que não vai tomar um banho no chuveiro com o qual se acostumou, não vai abrir o armário e pegar o pijama mais confortável, não vai abrir a geladeira com desenvoltura, pegar o que quiser e fechá-la com o pé. Você não vai mais ligar a tv no canal que quiser e passar o resto da noite no MSN conversando com um colega qualquer.
Você vai se pegar sentado no pé de uma cama estranha, em um quarto estranho da casa de uma pessoa estranha. Vai estar cansado, mas a sua vergonha de se deitar vai ser maior. Nesse momento você vai lembrar de como os livros ficaram legais arrumados da última forma que você os deixou, vai lembrar do violão do qual, embora estivesse a tempos empoeirado e esquecido em cima do armário, você gostava para valer. Vai doer mesmo no momento em que você se der conta de que nunca mais vai deitar na sua antiga cama. E sabe o que é ainda pior? O mundo. Ele não vai parar porque você está com cara de choro. E essa é a forma mais simples e batida de aprender que o mundo é cruel.
Mas ao poucos, a sua vida, como um muro de tijolos que desmoronou, vai sendo reconstruída. Logo você se acostuma com um novo chuveiro, arruma uma nova forma de almoçar, deixa o seu cheiro em um novo cobertor, encontra novas pessoas para amar, perdoa e é perdoado pelas antigas pessoas que você amava.


Na época um amigo comentou um dos textos assim:

Há dias em que se joga tudo pra cima...
E as coisas caem perfeitamente...
Em seus devidos novos lugares...